Com o advento da Lei 13.964/2019 (pacote anticrime), que trouxe inúmeras modificações positivas e negativas no âmbito do processo penal, vem sendo discutido a (in)constitucionalidade do art. 492, inciso I, alínea “e” do Código de Processo Penal, que leciona o seguinte:
Art. 492. Em seguida, o presidente proferirá sentença que:
I – no caso de condenação:
e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos.
O que vem ocorrendo na prática desde então, é o fato de o réu estar respondendo processo criminal em liberdade, cumprindo todas as medidas restritivas impostas pelo magistrado, e ao final de uma condenação pelos jurados no plenário a uma pena superior a 15 (quinze) anos de reclusão imposta pelo juiz togado, por força deste dispositivo, o magistrado manda recolher o réu determinando sua execução provisória da pena.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), assim como a Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), tem ajuizado ações nas Cortes Superiores com enfrentamento a esse dispositivo, ao argumento de que o Legislador ao definir o marco de 15(quinze) anos para execução provisória da pena, ou seja, mandado de prisão, feriu princípios constitucionais como da presunção de inocência ou da não culpabilidade e precedentes recentes do Supremo Tribunal Federal, como nas Ações Diretas de Constitucionalidade n. 43, 44 e 54, na qual afastou a possibilidade de execução provisória da pena antes do trânsito em julgado, sem fazer qualquer distinção para o caso do Tribunal do Júri.
O Egrégio Superior Tribunal de Justiça vem adotando o entendimento de que é ilegal a execução provisória da pena como decorrência automática da condenação proferida pelo plenário do Tribunal do Júri:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO, OCULTAÇÃO DE CADÁVER E DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. PRISÃO PREVENTIVA DECORRENTE DE CONDENAÇÃO PROFERIDA POR TRIBUNAL DO JÚRI.
AUSÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DESTA CORTE. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E DE CONTEMPORANEIDADE DA MEDIDA EXTREMA.
1. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que é ilegal a execução provisória da pena como decorrência automática da condenação proferida pelo Tribunal do Júri. Precedentes.
2. Agravo regimental improvido.
(AgRg no HC 643.378/PE, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe 17/09/2021)
Já no Supremo Tribunal Federal que reconheceu o tema como repercussão geral – Tema 1068 – Constitucionalidade da execução imediata de pena aplicada pelo Tribunal do Júri – está sendo discutido a constitucionalidade ou não deste dispositivo, e até o presente momento, com votos já proferidos pelos Ministros Roberto Barroso (Relator) e Dias Toffoli (Presidente), aplicaram a seguinte tese:
“A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada“;
O voto divergente do Ministro Gilmar Mendes que negou provimento ao recurso extraordinário, manteve a vedação à execução imediata da pena imposta pelo Tribunal do Júri, assentando a seguinte tese:
“A Constituição Federal, levando em conta a presunção de inocência (art. 5º, inciso LV), e a Convenção Americana de Direitos Humanos, em razão do direito de recurso do condenado (art. 8.2.h), vedam a execução imediata das condenações proferidas por Tribunal do Júri, mas a prisão preventiva do condenado pode ser decretada motivadamente, nos termos do art. 312 do CPP, pelo Juiz Presidente a partir dos fatos e fundamentos assentados pelos Jurados“
O Ministro Ricardo Lewandowski pediu vistas dos autos para reanálise do tema.
A discussão do tema jurídico é de suma importância para a sociedade, pois trata-se de direitos e garantias fundamentais elencados na Constituição Federal.
Ao nosso saber, se o réu permaneceu solto durante todo processo, não apresentou qualquer risco a sociedade ou à instrução criminal, cumpriu fielmente as condições estabelecidas pelo juiz, eventual condenação pelos jurados no plenário do Tribunal do Júri, ainda que superior a 15 (quinze) anos, não deveria ter o condão de autorizar a execução antecipada da pena, pois, de fato, o Legislador não trouxe qualquer elemento circunstancial concreto ou cientifico aplicar essa tese ou opção política.
Ademais, acaso o réu demonstre interesse de interpor recurso contra sentença condenatória imposta a si, tal execução antecipada fere os precedentes da Suprema Corte e princípios insculpidos na nossa Carta Cidadã, pois ninguém é considerado culpado até o trânsito em julgado em sentença penal condenatória. Por hora, este é o panorama instaurado, de modo que seguimos acompanhando as movimentações referentes ao Tema 1.068.
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